Segunda, 24 Julho 2017 14:26

INCRA CHEGA AOS 47 ANOS À BEIRA DA EXTINÇÃO, SENDO REDUZIDO A MERO EMISSOR DE TÍTULOS DE TERRAS PARA ACABAR REFORMA AGRÁRIA

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INCRA - 47 anos sem ter o que comemorarHá muito tempo a CNASI denuncia que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) chega a seu aniversário sem ter o que comemorar. O objetivo do alerta sempre foi de chamar a atenção dos servidores, movimentos sociais defensores da democratização de acesso à terra, público beneficiário do Incra, a sociedade em geral e o Governo para que o órgão seja reestruturado e possa atender adequadamente os brasileiros. No entanto, em vez de resolver o problema, o atual Governo fez o inverso – reduziu as atribuições do Incra, direcionando suas ações para um mero emissor de títulos de terra, com objetivo de acabar o Programa Nacional de Reforma Agrária.

 

O cotidiano do Incra em todos estes anos sempre foi tumultuado, pois os governos de plantão o usaram para seus objetivos – alguns dos quais pouco engrandecedores. Na década de 70 do século XX o Incra foi usado pela ditadura militar para fazer ocupação populacional, objetivando o avanço da fronteira agrícola do Centro-Oeste e Amazônia Legal brasileira, com o envio de milhões de brasileiros para atuarem como força de trabalho para o capital agrário nestas regiões, o que possibilitou o surgimento de centenas de cidades e vários estados nas últimas décadas. Essa ocupação desordenada trouxe ainda um profundo processo de agressão ao meio ambiente, o que prejudica toda a vida no planeta, pois a Amazônia tem uma grande influência na captura de carbono e outros elementos químicos.

 

De 1970 a 1985, o Incra foi fortemente utilizado para realizar uma “Política de Estado” da ditadura militar, resumida no lema: integrar para não entregar. Com uma ação de ocupação de áreas, os militares buscavam combater dois grandes perigos ao regime: o primeiro, real, uma reforma agrária em terras já concentradas no Sul, Sudeste e Nordeste; o segundo, um engodo, a tomada da Amazônia por países ricos (da Europa e América do Norte).

 

Após anos de incentivos aos programas de colonização oficial, de colonização particular e de regularização fundiária de grandes áreas, estes foram simplesmente abandonados, ao invés de serem submetidos à imprescindível correção de rumos que os tornassem em consonância com o I Plano Nacional de Reforma Agrária (I PNRA), que se instaurou com o início da “Nova República”, em 1985.

 

Apesar de ser responsável pelo início da Reforma Agrária no Brasil, o I PNRA não conseguir ser aplicado efetivamente em todo o país, nem cumprir as metas. No entanto, muitos estados, a exemplo de Goiás, só tiveram assentamentos criados  por causa do I PNRA, já que antes apenas foram feitas ações de colonização de particular e de regularização fundiária de grandes áreas.

 

Neste período o Incra chegou até ser extinto, como reação das oligarquias à aprovação do I PNRA, que tinha dentre outras metas, o assentamento de um milhão e quatrocentos mil famílias. As reações de forças políticas contrárias à realização de um amplo programa de reforma agrária, levou à extinção do Incra, em outubro de 1987, pelo então presidente da República José Sarney. No entanto, o Incra, como autarquia responsável prioritariamente pela execução da reforma agrária e do ordenamento da estrutura fundiária, foi restabelecido em 29 de março de 1989, vez que o Congresso Nacional rejeitou o Decreto-lei 2.363, de 23 de outubro de 1987. No entanto, o órgão permaneceu praticamente paralisado, por falta de recursos e de prioridade política.

 

O II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA) foi apresentado em novembro de 2003, durante a Conferência da Terra, em Brasília – evento que uniu movimentos e entidades do campo. Construído num amplo diálogo social, o Plano surgiu como fruto do esforço coletivo de servidores e técnicos, com o acúmulo dos movimentos sociais e da reflexão acadêmica. As metas do II PNRA eram da realização do maior plano de reforma agrária da história do Brasil, pois previa que até o final de 2006 seriam assentadas 400 mil novas famílias; 130 mil famílias teriam acesso à terra por meio do crédito fundiário e outras 500 mil adquiririam estabilidade na terra com a regularização fundiária. Apesar de ter fomentado muito a criação de assentamentos e dinamizado o Incra, as metas do II PNRA não foram cumpridas na totalidade - por pressão de ruralistas apoiadores do governo de então e incompetência dos gestores da época.

 

Com o II PNRA, o Incra ganhou novo fôlego, com promoção das políticas públicas para a população beneficiária, fortalecimento de suas atividades, multiplicação de seu orçamento (que chegou a ser de R$ 4 bilhões), realização de concursos públicos e alteração das carreiras dos trabalhadores. No entanto, o compromisso dos governos com o agronegócio impediu a revisão dos índices de produtividade, que na visão dos movimentos sociais, trabalhadores da autarquia e pesquisadores é condição primeira para se falar em processo de Reforma Agrária. E o compromisso do Governo com as políticas de ajuste fiscal, impediu que houvesse uma recomposição relativa do poder de compra da remuneração dos trabalhadores do Incra. Houve apenas um aumento absoluto da remuneração, dividida ainda em vencimento básico e gratificações produtivistas, associadas ao cumprimento de metas e não poucas vezes utilizadas como instrumento de assédio moral individual ou coletivo pelas sucessivas gestões.

 

Titulação e extinção

Em 2017, ao completar 47 anos de fundação, o Incra além de não ter o que comemorar está correndo um enorme risco de ser efetivamente extinto.

 

Esse novo e forte ataque ao Incra está formalizado com o direcionamento que o atual governo deu as atribuições da autarquia, excluindo a criação de novos assentamentos e a seleção de famílias de sem terra – com a desculpa de respeito à determinação política do Tribunal de Contas da União (TCU), do dia 6 de abril de 2016, que suspendeu as atividades do Programa de Reforma Agrária no Brasil, quando aprovou o relatório no qual acusava o Incra de ter cerca de 558 mil beneficiários / assentados inseridos irregularmente no Programa.

 

Em ações coordenadas, após decisão do TCU, em meio ao aprofundamento da retração do Incra nas ações de reforma agrária e outras relativas à democratização de acesso à terra no Brasil, o governo envia ao Congresso Nacional a Medida Provisória 759/16, que, mesmo após intensa resistência de setores progressistas da sociedade e movimentos sociais da cidade e do campo, é sancionada como Lei 13.465. Desta forma, o Governo Federal publicou no Diário Oficial da União, no dia 12 de julho de 2017 a Lei 13.465, que altera regras das políticas de reforma agrária e de regularização fundiária, facilitando a emissão de títulos para ocupantes de terras públicas e famílias assentadas em áreas de reforma agrária, entre outras medidas.

 

Com essa nova lei, o governo está jogando no lixo os princípios da reforma agrária, resumidos no nove itens seguintes: 1) desconcentração e democratização da estrutura fundiária; 2) produção de alimentos básicos; 3) geração de ocupação e renda; 4) combate à fome e à miséria; 5) interiorização dos serviços públicos básicos; 6) redução da migração campo-cidade; 7) promoção da cidadania e da justiça social; 8) diversificação do comércio e dos serviços no meio rural; 9) democratização das estruturas de poder.

 

Apesar de ser um direito reconhecido por todos, incluindo a CNASI-ASSOCIAÇÃO NACIONAL, a falta de estrutura mínima na maioria dos assentamentos  do Incra pressionará cada vez mais a venda dos lotes pelos assentados. Isso, porque uma política de reforma agrária séria, visando a desconcentração fundiária, o investimento em tecnologia para o aumento da produtividade nas áreas de assentamento com respeito ao meio ambiente nunca foi efetivamente prioridade do Incra nos sucessivos Governos. Não investiu adequadamente na infraestrutura, assistência técnica, qualificação do assentado, crédito, agroindústria, interação com mercado consumidor, de acordo com as exigências do público beneficiário e sociedade em geral.  O(a) assentado(a) que estiver mais idoso, com filhos e netos estudando nas cidades e capitais próximas, sem condições de viabilizar as atividades produtivas de sua área, possui poucas alternativas, para além da aposentadoria rural – ameaçada pelo atual projeto de desmonte da Previdência – e da venda da terra. E isso leva ao aprofundamento da (re)concentração de terras nas mãos de grandes proprietários rurais – justamente o que o Programa Nacional de Reforma Agrária tem por objetivo combater.

 

Por meio da adoção de táticas de assédio moral individual e coletivo, a exemplo do rankeamento das superintendências regionais com o Titulômetro (disponível nas áreas de trabalho de todos os servidores e também na Incranet), bem como da criação de Unidades de trabalho com força de trabalho externa, não pertencente aos quadros efetivos da autarquia, a exemplo da Unidade Avançada recém-criada no estado de Minas Gerais, até julho de 2017 já foram emitidos pela autarquia 3.565 Títulos de Domínio da terra e 37.204 Contratos de Concessão de Uso. A meta da autarquia é entregar 60 mil títulos até o final de 2017. Chegou-se a se falar em entregar títulos a 750 mil famílias assentadas até final de 2018, mas as dificuldades para se fazer isso são tantas que fontes do governo citam que serão tituladas cerca de 280 mil ocupantes de assentamentos. Com a concretização da titulação em massa e a não desapropriação / aquisição de terras para novos assentamentos de famílias sem terra a reforma agrária acabará sem nunca ter efetiva e seriamente começado.

 

Prejuízo ao Brasil

E isso, é um enorme prejuízo para o Brasil e sua população. Vale lembrar que atualmente 977 mil famílias vivem nos 9.340 assentamentos, que ocupam 88.819.725 hectares. De forma global, o Incra tem um público beneficiário (atendido diretamente pela autarquia) de cerca de 10 milhões de pessoas – entre assentados, acampados, quilombolas, ribeirinhos, moradores de Resex, comunidades tradicionais, etc. Além destes, há ainda os cerca de 5,7 milhões de proprietários rurais que necessitam de  serviços do Incra, a exemplo do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), sem o qual não se consegue acesso a financiamentos, venda, desmembramentos de áreas, etc.

 

Se for ampliada para os pequenos municípios, o impacto do esvaziamento do Incra e os possíveis prejuízos na atuação da SEAD (Secretaria que substitui o antigo MDA), toda a população do Brasil vai ser prejudicada, já que haverá redução da quantidade e qualidade do alimento que chega à mesa do brasileiro, pois cerca de 70 por cento da comida tem origem em assentamentos ou em áreas de agricultura familiar.

 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a população rural brasileira corresponde a 16% do total, pois considera os domicílios de situação urbana aqueles localizados nas áreas urbanas, que são as áreas internas ao perímetro urbano de uma cidade ou vila, definido por Lei Municipal. A situação rural abrange toda a área situada fora desses limites urbanos.

 

Já de acordo com pesquisa promovida pelo então Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, o Ministério do Planejamento e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é de 36% a população rural brasileira – o que representa pouco mais de 70 milhões de pessoas. Essa pesquisa considera rural os agrupamentos com até cinco mil pessoas, pois toda a rotina destes locais tem muito mais relação com o campo do que com a cidade.

 

Aniversário triste

Desta forma, o dia 9 de julho de 2017 (data em que completou 47 anos de fundação) foi ainda pior para o Incra, seus trabalhadores, público beneficiário e toda a população do Brasil, pois a elite oligarca / agrária deste país continua vencendo a guerra pela posse de terra.

 

A cada ano que passa a força de trabalho do Incra diminui, devido a aposentadoria e migração para outras carreiras, aumenta o assédio moral, aprofunda-se a desestruturação da instituição, o orçamento diminui, os cargos continuam sendo usados como moeda de troca da política fisiológica de aparelhamento do Estado, assentados e quilombolas continuam sob fortes ataques de grileiros, acampados desaparecem por desânimo com a política de reforma agrária.

 

Mesmo em meio a este contexto desfavorável, há disposição de luta por parte da força de trabalho do Incra. Isso se expressa na organização dos trabalhadores para o combate ao assédio moral e a deterioração das condições de trabalho, bem como pelo esforço de unidade na reivindicação de melhorias salariais e na denúncia das irregularidades na condução das políticas públicas que impactam diretamente nos trabalhadores e trabalhadoras rurais beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária.

 

As dificuldades são enormes, a conjuntura de avanço do capital sobre o trabalho - inclusive no meio rural -, é desumana. No entanto, a história não coloca aos trabalhadores/as tarefas impossíveis de serem resolvidas. Em meio aos ataques profundos que vêm sofrendo e que aceleraram-se enormemente no último ano na gestão Temer/Góes, os trabalhadores do Incra, por meio de seus instrumentos de organização, precisam entender a gravidade da conjuntura, fazer um duro balanço dos avanços e retrocessos, juntamente com os movimentos sociais que se dispõem à mesma tarefa e recuperar o fôlego para avançar rumo a novas conquistas. Essa tarefa não só é urgente, como necessária!

 

Diretoria da CNASI-ASSOCIAÇÃO NACIONAL

Ler 4359 vezes Última modificação em Sexta, 10 Novembro 2017 00:37