Sábado, 08 Junho 2019 15:02

PROPOSTA DE REESTRUTURAÇÃO DO INCRA: DISCURSO DE MORALIZAÇÃO E CONTROLE PARA DISFARÇAR A PARALISIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

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P 20170428 131407 1Em um ofício emitido pela Presidência do Incra para o Ministério da Agricultura, no dia 31 de maio de 2019, é encaminhada uma proposta de reestruturação da autarquia agrária. Mas na exposição de motivos há críticas generalistas "à ideologia de governo anteriores", sem citar o que seriam e em que a atual gestão se diferencia. No documento é proposta "auditoria geral nas ações do órgão" e é chancelada a paralisação de políticas públicas, a exemplo do assentamento de famílias e desapropriação de novas áreas para a reforma agrária. Além disso, o documento não propõe nenhuma ação efetiva de valorização de servidores, como a reestruturação de carreiras.

 

A ausência de nomes e de citação de governos visa, sutilmente, esconder a história, pois nos 49 anos de existência do Incra, a autarquia foi majoritariamente aparelhada pelos ruralistas (setor que continua dirigindo as ações e a política agrária), visando impedir as desapropriações para reforma agrária, bem como limitar ações de benefícios às famílias assentadas. Exemplo disso, é que o Incra foi fundado em 1970, mas apenas em 1985 é elaborado o I Plano Nacional de Reforma Agrária. Antes disso, nos governos empresariais-militares que assumiram, a partir do Golpe de Estado de 1964, a única ação da autarquia era a colonização, que visava beneficiar o grande capital agrário por meio da expansão da fronteira agrícola. Ainda nesse período, os Incra 1987 4militares doaram enormes quantidades de terras públicas para empresas nacionais e estrangeiras, expropriando posseiros, comunidades tradicionais e indígenas em todos os biomas brasileiros, principalmente na Amazônia Legal. Em 1987 o Incra foi extinto pelo então presidente Sarney, voltando em 1989, por meio de lei parlamentar.

 

Nos últimos 16 anos - apesar de algumas ações, como concursos para servidores, ampliação de orçamento e crédito e criação de assentamentos que beneficiaram cerca de 600 mil famílias -, os ruralistas e seus colaboradores continuaram exercendo pressão fundamental para o sucateamento da autarquia, resultando na redução e precarização da força de trabalho, na ampliação da terceirização e na paralisia das atividades do orgão, com destaque para o lobby que culminou na Lei 11.952/2009 (também chamada de Lei de Regularização da Grilagem).

 

Em resumo, a situação em que o Incra se encontra atualmente é fruto do histórico e do interesse político que sempre esteve por trás das suas ações: um aparelho de Estado criado para impedir a universalização do acesso à terra e a reforma agrária, por meio da contenção e controle dos movimentos sociais, utilizando até repressão e cooptação.

 

Conclusão da proposta
Entre os documentos em anexo ao ofício consta o "Modelo conceitual da macroestrutura do Incra", no qual se faz uma análise pouco aprofundada e chega às seguintes conclusões:

 

"Diante do apresentado algumas linhas deverão fazer parte do dia a dia dessa nova fase do Incra, uma autarquia que vai cada vez mais se configurar como gestora fundiária do País.

Regularização Fundiária: assumir o seu importante papel com órgão federal de Governança Fundiária, retomando a regularização fundiária de glebas federais por todo território brasileiro, realizando sua missão constitucional de fiscalização e gestão fundiária, sendo na faixa de fronteira, apoio aos estados fazendo uma via de mão dupla nas informações junto aos órgãos estaduais de terras, e retomando diretamente a coordenação da regularização fundiária nos nove estados da amazônia legal. A regularização fundiária é questão de cidadania trazendo segurança jurídica a seu povo, trata-se de uma ação fundamental de governo esquecida principalmente fora da amazônia legal a mais de vinte anos.

Regularização Territorial Indígena e Quilombola; trazer para o nível técnico as demandas de comunidades tradicionais indígenas e quilombolas, mantendo o respeito a cultura e xxxx das referidas comunidades, porém procurando trazer segurança jurídica as partes, agilidade e comprometimento técnico nas análises de forma a que as comunidades, produtores rurais e empreendimentos tenham os seus processos de identificação, delimitação, demarcação e parecer em processos de licenças ambientais em um espaço de tempo compatível às necessidades de crescimento do nosso País.

Assentamentos Rurais; trazer viabilidade aos assentamentos rurais, muitos deles descaracterizados com o tempo, por inúmeras razões neste já explicitadas, utilizar-se do arcabouço jurídico necessário para cumprimento do papel de disseminador das politicas públicas necessárias como infraestrutura e fomento a fim de chegar a regularização, titulação e emancipação dos conglomerados, colocando os beneficiários em um outro patamar social.

Evolução humana e tecnológica; para cumprimento de suas funções finalísticas, faz-se necessário investimentos na área meio, com quarenta e nove anos de existência já desgastado pelo tempo, mudanças de governo e principalmente pela intervenção política, um choque tecnológico e de gestão são pré-requisitos necessários, investimento em material humano, qualificação remuneração e melhoria na carreira; investimentos em tecnologia sistematização e inteligência artificial, bem como um processo de planejamentos estratégico, são hoje peças chaves para o tamanho do desafio que se apresenta".

 

Apesar de citar na conclusão do item Evolução humana e tecnológica, uma previsão de reestruturação de carreiras e "investimento em material humano", não está explícita a realização de concursos público, ou seja, há mais dúvidas que certezas.

 

Reivindicação dos servidores
Em Assembleia Nacional, no final do mês de março de 2019, a CNASI-ASSOCIAÇÃO NACIONAL deliberou por consenso a não legitimação e não participação no eventual o Grupo de Trabalho de Reestruturação do Incra criado e em seu resultado. Naquela época, já havia o diagnóstico de que eventual proposta resultante estaria alinhada com a política geral do atual Governo e não traria benefícios ao público beneficiário do Incra nem aos trabalhadores da autarquia. Apesar de a CNASI-AN ter reafirmado, apresentado, entregue impresso, enviado por e-mail e procolado pelo SEI junto à Presidência do Incra e ao GT de reestruturação, no dia 9 de abril de 2019, as pautas e propostas históricas dos servidores, defendidas e reiteradas em todas as gestões anteriores, a proposta agora encaminhada pela direção do Instituto ao Ministério da Agricultura confirmou a análise e Incra Forte2 baixadiagnóstico realizado na última Assembleia da CNASI-AN, pois desconsidera solenemente as reivindicações materializadas na proposta de fortalecimento do órgão sintetizada pela entidade, com base nas defesas históricas da categoria e no Plano de Lutas, aprovado em março de 2019.

 

A proposta encaminhada ao GT pela CNASI-ASSOCIAÇÃO NACIONAL sintetiza a defesa, o fortalecimento e a melhoria da gestão das políticas pública realizadas pelo Incra (a exemplo da reforma agrária, cadastro e regularização fundiária); fortalecimento da autarquia (com ampliação de orçamento, criação de mais 10 superintendências regionais - passando então de 30 para 40 superintendências do órgão em todo o país); melhoria e qualificação da gestão, bem como valorização dos servidores – com reestruturação de carreiras, melhoria dos padrões de remuneração e concurso público para mais três mil novos profissionais, visando recompor a força de trabalho.

 

Posicionamento da CNASI-AN
A CNASI-ASSOCIAÇÃO NACIONAL, entidade que representa cerca de 90 por cento dos servidores do Incra, esclarece que desde o início do atual Governo havia uma desconfiança sobre os discursos de gestores que pregavam o "fim do aparelhamento ideológico, choque de gestão e rigor na condução dos processos". Em realidade, o aparelhamento ideológico permanece quase o mesmo - só mudou o grupo gestor. Indicações políticas e partidárias sem nenhum perfil técnico continuam acontecendo, como em todos os governos anteriores. Na proposta de reestruturação apresentada há uma tentativa de mascarar a paralisia das políticas e ausência de recursos, com a desculpa de que é preciso "pôr ordem na casa".

 

Os trabalhadores do Incra sempre estiveram a favor da melhoria e profissionalização da gestão, bem como dos processos com vistas a alcançar o resultado da missão do órgão: realizar a Reforma Agrária e o ordenamento da estrutura fundiária. Sempre se defendeu o combate a impunidade e aos desvios, notadamente em processos administrativos, que beneficiaram os interesses do setor ruralista. No entanto, a atual gestão tenta, com discursos moralizadores e com vocabulário tecnicista, não falar da realidade: no aspecto do aparelhamento político-partidário e da gestão - como sempre, nada mudou.

 

A proposta de reestruturação do Incra materializa política e ideologicamente um posicionamento no sentido de não valorizar o órgão e seus servidores, paralisando as principais ações, a exemplo da regularização de comunidades quilombolas, criação de assentamentos, vistorias para desapropriações de áreas, etc. Tenta colocar a "culpa" em antigas gestões, como se o mesmo setor ruralista não tivesse também participado e influenciado ações nefastas do Incra em governos anteriores.

 

Mais uma vez grupos econômicos e políticos ligados aos grandes proprietários de terras utilizaram do poder de manobra, dentro de uma legalidade suspeita, para engessar o Incra, prejudicando às dezenas de milhões de integrantes da população trabalhadora rural, precariamente atendida em suas condições materiais de vida e no acesso a seus direitos.

 

Diretoria Nacional da CNASI-AN

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Documentos sobre a proposta de reestruturação do Incra:
- Ofício
- Modelo conceitual da macroestrutura
- Força de trabalho

Destaque na imprensa sobre o caso:
- O Estado de São Paulo
- Correio Braziliense

Proposta de reestruturação do Incra feita pela CNASI-AN
- Ofício, proposta e plano de lutas

 

(Material atualizado às 17h34 min, de 08.06.2019)

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